sábado, 5 de março de 2011

Quito - Equador

04.03.2011
Acordamos às 3:30h da madrugada (era melhor nem ter dormido...), parecíamos dois zumbis se arrumando. Por sorte, nosso taxista libanês era bastante animado e conseguiu nos manter acordada por todo o trajeto da Barra da Tijuca até o aeroporto Tom Jobim.
Fico impressionada de como os taxistas têm histórias para contar... Ele começou contando uma história meio trágica envolvendo seus familiares (sua avó teve um ataque cardíaco ao ver seu tio morto a tiros na porta de sua casa...), mas depois mudou para uma prosa menos densa, elevando as qualidades culinárias árabes.
Explicou, inclusive, alguns detalhes fazem uma diferença profunda no paladar dos alimentos, ressaltando a diferença entre apreciar um quibe cru ou hamis tahine com as próprias mãos e com talheres. Esta última forma, embora não altere o sabor do alimento, equivaleria a tomar um vinho tinto de qualidade em um copo de geléia... Até que sua tese faz bastante sentido!
Ao chegarmos no aeroporto, tiramos uma verdadeira onda, pois não foi necessário sequer aguardar na fila: compramos a passagem na classe executiva , pois já havia se esgotado na classe dos reles mortais...
Antes de embarcarmos, comprei um adaptador de cartão para baixar as fotos para o notebook e aquele fantástico ‘tapa olho’ que trazia grátis um ‘tapa ouvido’. Afinal, eu ia precisar descansar bastante, pois só havia dormido uma hora esta noite, em razão da ansiedade com a viagem (pode parecer incrível, mas eu sempre fico ansiosa nas vésperas das viagens!).
Fiquei até meio constrangida na hora do embarque, pois a classe executiva é a primeira a ser chamada e acabamos entrando na frente de todos aqueles apressadinhos que já estavam a postos na fila. 
Logo percebi que não teria a mínima dificuldade para dormir: a impressão é que caberiam até duas Júlias na cadeira. Que felicidade! Quase concordei com a observação da Danusa Leão de que depois de determinada idade viajar em primeira classe é questão de direitos humanos...
No entanto, o primeiro perrengue não estaria muito distante: ao chegarmos em Lima, onde faríamos a conexão para Quito, nos deparamos com uma fila literalmente quilométrica... Já tinha praticamente certeza de que perderíamos a conexão e partilhava desta certeza com todos os demais passageiros que se encontravam em situação semelhante ou pior (alguns vôos já anunciavam a última chamada).
Mas, em um milagre que parece apenas ocorrer em Lima, conseguimos vencer a tempo aquela imensa fila da fiscalização e chegamos a tempo para o embarque.
A poltrona deste vôo era ainda mais confortável e aproveitamos a televisão exclusiva para assistir Megamente (uma animação em que o anti-herói se entristesse por não ter mais um herói com quem lutar...), mas acabei sendo vencida pelo sono, que me dominou completamente, apenas sendo bruscamente interrompido por aquele anúncio desagradável de apertar cintos... Por alguns segundos desejei que o vôo fosse um pouco mais longo.
Depois de passarmos o maior sufoco pela falta de uma caneta (aí vai uma dica de fundamental importância para quem viaja para o exterior: nunca esqueça uma caneta para preencher o formulário de imigração, já que nem sempre há este artigo de luxo nos balcões reservados para seu preenchimento), finalmente conseguimos ser admitidas no país, não sem antes sermos indagadas, com certa estranheza, se realmente seria a primeira vez que estávamos visitando o Equador.
Sofremos um pouco aguardando ansiosamente a chegada das malas, dado o temor de que elas não tivessem tido tempo de serem embarcadas... Mas finalmente apareceram e seguimos contentes na sua agradável companhia.
Pela primeira vez vejo meu nome no cartaz que o rapaz do transfer segurava: Castro, Júlia. Não sei explicar a razão do favoritismo, já que todas as outras vezes que viajei acompanhada, sempre tive o azar de estar com alguém cuja primeira letra do sobrenome é anterior à minha, no alfabeto.
Apenas ao tentarmos decifrar a esdrúxula ordem dos andares do elevador é que chegamos à conclusão de que por aqui há uma lógica meio distinta...
Estranhamos, inclusive, as duas advertências dadas pelo nosso guia: a primeira me lembrou a minha infância, quando nossos avós avisavam para não aceitarmos balas de estranhos. Mas, por aqui, o risco é aceitar envelopes (?) de estranhos... Pena que eu estava tão cansada que não tive nem forças de perguntar o motivo do risco (espero que não haja antrax por aqui...)
Ao receber a segunda advertência, tive que conter o riso - não seria aconselhável sair mos correndo ou ‘trotando’ pela cidade! Difícil compreender esta advertência, já que pessoas adultas normais não costumam manifestar tal impulso; no entanto, foi engraçado nos imaginar em disparada pelo centro histórico, derrubando os guardinhas e tropeçando em frades... Finalmente, o guia resolveu explicar o motivo de tamanha cautela: estávamos a 2.850m de altitude, e, portanto, poderíamos sofrer as graves consequências da rarefação do oxigênio -  o temível ‘soroche’ (não foi a toa que o Flu perdeu para LDU na final da Libertadores, em Quito).
Chegamos no hotel por volta das duas horas da tarde e aproveitamos o resto do dia chuvoso para colocar o sono em dia, já que a curta viagem na classe executiva não foi suficiente para tanto.
À noite, conseguimos levantar da cama (a duras penas, tenho que confessar), para conhecermos o melhor restaurante de comida típica equatoriana, La Ronda. Apesar de o restaurante ficar a umas poucas quadras do hotel, preferimos pegar um táxi em razão da forte chuva que castigava a cidade e, pelo que parecia, o taxista se inspirou no nome do restaurante, pois realizou um verdadeiro tour pela cidade até chegar a nosso destino. 
Por sorte, ele não tentou dar um de engraçadinho e cobrou exatamente o que haviamos combinado desde o início: dois dólares.
Como a moeda oficial, por aqui, é o dólar, esta viagem não vai me render nem mais um exemplar de notas estrangeiras para minha coleção. Nosso guia havia informado que até uns dez anos atrás a moeda oficial era o sucre, mas, em razão de alguns problemas de ordem financeira, resolveram adotar o dólar como moeda oficial. Só não consigo entender como eles obtém as notas, sem terem que gastar o equivalente, já que provavelmente não têm autorização para emitir notas de dólares norte-americanos...
O restaurante é agradabilíssimo, super aconchegante e com música ao vivo, tipicamente andina, com aquelas flautinhas e tudo mais...
Resolvemos fazer uma espécie de rodízio de entradinhas, típicas equatrianas, que estavam uma verdadeira delícia: empanadas de morocho (massa de milho com carne),  humita (espécie de pamonha com queijo), guacamole com tortillas e champignones salteados com alho e cebola! Retornamos felizes para o hotel - valeu a pena todo o esforço para sair da cama...


05.03.2011
City Tour de Quito Colonial e Mitad del Mundo

Fachada externa da Basilica del Voto Nacional - 
Sagrado Corazón de Maria



Gárgulas - seres mitológicos que protegem as Igrejas
dos maus espíritos





Vitral da Basílica del Voto Nacional 


Vista do Interior da Basílica

Virgem Maria Alada


Centro Histórico

Palácio Arzobispal

Plaza Grande

Arco do Palácio Presidencial

Leão que simboliza a  Espanha derrotada
na luta da independência
Iglesia Compañia de Jesus

Plaza de San Francisco

Comida típica...

Vista Panorâmica da Cidade


Basílica del Voto Nacional

Mitad del Mundo

Vista do topo da torre do Museu Etnográfico

05.03.2011
Embora tenhamos dormido o dia inteiro, não tivemos qualquer dificuldade para repetir a façanha pela noite. Muito pelo contrário, chegamos a ter dificuldade de levantar às sete da manhã (o tour sairia às oito), muito embora para nosso relógio biológico já fosse nove horas...
Como nosso hotel é de uma rede norte-americana (Howard Johnson), o café da manhã era aquele típico continental, mas acabei sendo surpreendida ao ver bananas verdes fritas como em Cuba! 
Nosso guia logo nos avisou que o tour seria bilingue (para nossa infelicidade...) e começamos com explicações gerais sobre a cidade: San Francisco de Quito, ou simplesmente Quito como é conhecida pelos mais íntimos, é a capital do Equador (novidade...) e segunda cidade mais populosa do país com mais de dois milhões de habitantes, só perdendo para Guayagaquil, cidade litorânea que possui mais de três milhões.
O país é dividido em quatro regiões, quais sejam: a região litorânea, região de serra com formato de uma linguiça (!) onde fica Quito, região leste que abrange parte da floresta amazônica e a área de Galápagos, nosso próximo destino.
Quito foi declarado, pela UNESCO, em 1978, o segundo patrimônio cultural da humanidade (perdendo apenas para Cracóvia), possui o maior centro histórico da América e, este ano, foi eleito capital cultural americana de 2011. Todos estes títulos foram narrados com tremendo orgulho por nosso guia patriota.
Perguntamos se havia alguma razão que justificasse o fato de as bandeiras do Equador, Venezuela e Colômbia possuírem as mesmas cores, foi quando nosso guia esclareceu que, logo após a independência da Espanha, os três países formavam a Grande Colômbia, situação esta que foi mantida por oito anos.
As cores da bandeira simbolizam as riquezas em geral (amarelo), o sangue e a força (vermelho), o céu e o mar (azul). Os indígenas, inclusive, já utilizavam o vermelho como símbolo de força.
O primeiro lugar que visitamos foi a Igreja de estilo neo-gótico, Basílica del Voto Nacional, situada exatamente no início de Quito Colonial. Nosso guia fez questão de ressaltar que o estilo gótico das Igrejas da América é o neo-gótico, que vai do século XVIII ao XX, enquanto as Igrejas do Velho Mundo seguem o estilo gótico. Claro que não podíamos deixar de perguntar a diferença entre elas, mas nosso guia se restringiu a mencionar algumas características secundárias, como as formas mais estreitas e compridas característica da arquitetura neogógica, como forma de se aproximar ainda mais de Deus. Citou, também, a diferença entre as cruzes, pois enquanto gótica utiliza cruzes gregas (interseção no centro), a neogótica utiliza cruzes latinas, como referência a crucificação.
A Igreja possui fantásticos vitrais importados da Espanha, que chegam a lembrar aqueles do Duomo de Milão. Já a fachada externa é uma espécie de mix entre o estilo da Notre Dame de Paris e Sagrada Família de Barcelona (nossos coleguinhas da espanha, explicaram que esta verdadeira obra de igreja nunca termina porque aceita exclusivamente donativos de fiéis, recusando qualquer patrocínio governamentais ou de empresas privadas). Todos estes paralelos foram obviamente ressaltados por nosso    querido guia, sem qualquer falsa modéstia.
A torre mais alta mede 110 metros e a Igreja é considerada uma das maiores da América Latina (o guia ficou meio irritado quando eu perguntei quais eram as maiores e ele teve que admitir que em Salvador, no nordeste do Brasil, existia uma maior).
A fachada externa é ornamentada com diversos exemplares da rica fauna local (o Equador é o décimo sétimo país em biodiversidade, mas novamente ele teve que admitir, visivelmente irritado, que o Brasil era o oitavo, exclusivamente em razão de seu tamanho... o primeiro seria a China, mas tenho minhas dúvidas sobre a legitimidade desta informação).
Entre os animaizinhos tipicamente nacionais, podíamos encontrar o tamanduá, o puma, iguanas terrestres e marinhas e até tartarugas! Mas o que eu achei mais interessante e igualmente assustador foram as gárgulas, seres mitológicos que lembram morcegos e cuja função é proteger as igrejas de maus espíritos. Reza a lenda que, pela noite, esses seres adquirem vida e rondam pelos vilarejos...
Ao entrarmos, ficamos encantadas com os vitrais, que realmente nada deixavam a desejar em relação àqueles do Velho Mundo. No centro da Igreja há uma referência ao Sagrado Coração de Jesus, mas o mais interessante mesmo é um vão na parede lateral da Igreja, no formato de um coração, através do qual conseguimos ver a Virgem Maria no Panecillo. 
Só que quando eu tentava focar na Santa, ela desaparecia atrás das nuvens, como em um milagre! Muito interessante este fenômeno fotográfico!
Retornamos para a van para seguirmos em direção à Plaza Grande, no miolinho do centro histórico. No caminho, há diversas casas com varandinhas ornamentadas por  lindos vasos de gardênias. As ruas são bastante estreitas e o relevo é bastante acentuado. Depois de descermos uma rua comprida, chegamos, finalmente na famosa  Plaza.
Ao redor da praça há quatro construções importantes: o Palácio Presidencial de Rafael Correa, o Palazio Arzobispal, espécie de convento restaurado onde hoje funcionam várias lojinhas, a Catedral Metropolitana de Quito e a Alcadia (Prefeitura Municipal) - esta última é a única construção no estilo moderno, de gosto bastante controvertido para composição do local.
No Centro da Plaza Grande (por um milagre não denominaram Plaza Mayor, como a maioria daquelas da Espanha...), há um monumento à liberdade, em homenagem a revolução de 1809, que inspirou movimentos de independência de diversos países latino-americanos. No entanto, a independência durou pouco e em 18010 os espanhóis retomaram o poder. Entre 1822 e 1830, o Equador se fundiu à Grã-Colômbia, daí a explicação sobre a identidade das cores da bandeira. Só a partir de 1830 é que finalmente foi fundada a República do Equador. 
Na base do monumento à liberdade há um leão ferido com uma flecha, simbolizando a vitória nacional contra o Reino de Leão e Castella. Por trás do felino, há um conjunto de armas utilizadas na luta e, um pouco mais no alto, havia um condor (símbolo da liberdade) com um pedaço de corrente arrebentada, fazendo referência ao rompimento das amarras colonial. E, no topo, uma estátua simbolizando, obviamente, a liberdade.
Prosseguimos nosso itinerário visitando a Catedral, embora tenhamos tido um pouco de dificuldades para compreender o que o guia queria dizer com ‘mapara’ (porta interna divisória de ambientes). 
No entanto, logo ao entrar não foi difícil identificá-la, tamanha quantidade de ouro que a ornamentava. Infelizmente, a única foto que consegui tirar saiu com um certo desequilíbrio de luminosidade, pois era ‘meio’ proibido tirar fotos. No entanto, minhas fotos incomodavam muito menos a missa que os demais turistas que caminhavam pela Igreja produziam um ruído insuportável ao movimentarem as tábuas corridas do chão.
O mármore que ornamenta as paredes é no estilo ‘italiano fake’ fato este que havia passado despercebido até nosso guia nos chamar a atenção para este detalhe. Se eu não percebo nem quando minha mãe resolve ficar loura, dificilmente perceberia que se trata de mera pintura imitando mármore, ainda que o negócio fosse muito evidente (e de fato o era, como depois foi possível constatar).
A terceira Igreja que visitamos, a da Compañia de Jesus, foi a que achei mais interessante. É a única que se cobra a entrada ($3,00), mas vale o investimento: o negócio é realmente esplendoroso! Há ouro em todos os cantos, apesar de um incêndio ocorrido em 1996 ter destruído a maior parte do interior da Igreja. No entanto, após pesado investimento, foi possível a restauração, embora seja possível verificar, em uma análise mais meticulosa, que ao fim dos trabalhos, foi necessário economizar algumas folhas de ouro (percebe-se que em alguns pontos as folhas foram inseridas aleatoriamente, como forma a dar um aspecto dourado ao ambiente).
A Igreja mescla quatro estilos diferentes, embora eu tenha minhas dúvidas se o último citado pelo guia pode tecnicamente ser qualificado como estilo: barroco, rococó, mourisco e simétrico. Na minha leiga opinião, a simetria não seria, em si, um estilo, mas sim uma forma que talvez tenha sido utilizada em alguns estilos. No entanto, quem era eu para contrariar nosso sensível guia...
O ouro, como todos aqueles que já visitaram Minas Gerais o sabem, sempre foi utilizado como forma de exaltar o Poder da Igreja e, na época da construção desta, os protestantes estavam cada vez mais angariando seguidores. O Concílio de Trento veio, então, com o objetivo de estabelecer diversas metas para restabelecer o Poder da Igreja Católica, entre elas, aumentar ainda mais a ostentação para impedir que fiéis constatassem o enfraquecimento do catolicismo pelo mundo.
No altar, havia imagens de santos representando as quatro órdens da Igreja Católica, quais sejam, os Mercedários, Franciscanos, Dominicanos e Jesuítas.
E, no centro, havia uma réplica da figura da Virgem Maria Dolorosa, cujo original, situado em uma escola católica próxima, protagonizou um milagre, no início do século vinte, consistente em verter lágrimas por nada menos que quinze minutos diante de mais de vinte pessoas. 
Esta igreja também possui diversos túneis subterrâneos que eram utilizados para a prática de atos não aprovados pelas morais e bons costumes da época... No entanto, como nem todos conheciam bem os caminhos de retorno, muitos ficavam presos e acabavam morrendo com a falta de oxigênio. Foram encontradas muitas ossadas, pedaços de roupas e até fetos neste subterrâneo tenebroso...
Próximo à porta da saída, há dois quadros, sendo que o do lado da esquerda simboliza o inferno tal qual narrado por Dante (óbvio que todos responderam negativamente à pergunta se já havíamos lido o Inferno de Dante - eu até tentei em italiano, mas achei a linguagem um pouco arcaica...).
Fiquei imaginando se tivesse nascido naquela época e ouvisse, desde criancinha, o que aconteceria com as pessoas que cometessem pecados como inveja, adultério, assassinato, injustiça, etc., mas nada seria mais forte que aquelas imagens das pessoas sendo obrigadas a ingerir líquidos ferventes, através de funis colocados em suas bocas, ou outras berrando ao serem colocadas em caldeirões... Mas a imagem que mais me marcou foi a tal do invejoso sendo devorado por um besouro gigante (para algumas pessoas seria até mais forte a imagem de uma barata...). Como o pessoal de antigamente já entendia de marketing, ainda que pelo aspecto negativo...
Infelizmente não tive a oportunidade de tirar uma mísera foto torta desta Igreja fantástica, já que o guia nos acompanhou em todos os passos, sempre nos ‘relembrando’ sobre a expressa proibição de tirar fotos... 
Saindo da Igreja, fomos em direção a Plaza de San Francisco, muito maior que a anterior (talvez daí a razão de aquela não ter recebido a denominação de mayor...), na frente da qual há uma igreja de igual denominação. Trata-se de igreja mais antiga da cidade, fato este que não tivemos dificuldade de constatar, ao verificarmos o (infelizmente) péssimo estado de conservação. E os pombinhos alimentados pelos velhinhos na praça contribuem ainda mais para sua degradação, já que seus excrementos formam uma massa ácida sobre o teto que acaba danificando ainda mais a estrutura da construção.
Saímos do Centro Histórico (ou Quito Colonial, como vocês preferirem) e fomos em direção ao Panecillo (denominação que se refere a pão pequeno, sei lá por que razão), onde se decidiu por estabelecer como local de ‘repouso’ da Ave Maria Alada (parece que é a única no mundo que possui asas, ‘acessório’ este que, segundo nosso guia, teria lhe auxiliado na luta travada contra o demônio, quando ainda estava grávida e este queria destruir o filho de Deus.
A vista daquela altura é bem interessante, embora a nebulosidade tenha impedido de apreciar todo aquele esplendor. Encontrei umas ovelhinhas bem simpáticas e passei o tempo disponível tentando tirar fotos de suas melhores expressões faciais.
Nosso último destino do passeio do dia seria o local conhecido como Metad del Mundo, a uma distância de aproximadamente trinta quilômetros de Quito. No entanto o caminho em direção a este destino é o mesmo tomado pelos ‘quitutes’  (cidadãos de Quito) para as praias. Mas, para nossa sorte, o guia conhecia um atalho bem ‘mequetrefe’ que acabou salvando nossas vidas e impedindo que ‘alguém’ fosse tomada por um absurdo mau humor típico de trânsito.
Chegando na ‘Mitad del Mundo’, nosso guia fez a primeira pergunta, que não consegui, de início, entender muito bem: qual a largura da linha do equador. O espanhol teve a coragem de responder ‘dois quilômetros’ logo explicando que se tratava de mero chute. No entanto, é óbvio que não teria qualquer extensão, ou, se houvesse, seria inferior que aquele ponto matemático cuja extensão o professor do primário tenta desesperadamente nos fazer entender. Em seguida, nosso ‘brilhante’ guia conclui que não há extensão, já que se trata de uma ‘linha’ imaginária, que não se sabe nem onde ela é exatamente encontrada, já que se trata de mera estimativa.
No entanto, não há nada melhor que aquela linha amarela de mais de dez centímetros de espessura pintada no chão para podermos tirar fotos e ‘comprovarmos’ que pisamos nos dois hemisférios ao mesmo tempo.
O guia não gostou nada da observação do nosso amiguinho norte-americano da Carolina do Norte de que o GPS teria ‘demonstrado’ que a linha ficaria a uma distância de 250 m daquela originariamente estabelecida pelos franceses como a do equador. 
Primeiro porque o GPS (Global Position System) não poderia esclarecer se seria ao sul ou ao norte da linha originária e segundo porque não foram os franceses que ‘descobriram’ a linha do equador, mas sim os ‘quitus’ habitantes da região antes da dominação pelo império Inca. Eles perceberam que em determinada data do ano, ao meio-dia, deixavam de ‘possuir sombra’, fato este que muito lhes assombrou. E, a partir de estudos astronômicos, foi possível estabelecer esta linha imaginária, cuja denominação é proveniente do latim igualdade. Quito, inclusive, significa ‘Centro do Mundo’, ou coisa que o valha.
Fiquei meio perdida com a explicação sobre os equinócios (um em 23 de março e outro em 23 de setembro), pois estava me lembrando dos solstícios, que havia aprendido na minha viagem ao Peru, com toda aquela festa do dia 21 de junho, dia mais curto do ano. Então há, na realidade, quatro datas importantes, duas referentes aos solstícios (dia em que o sol atinge o afastamento máximo do equador) e duas referentes aos equinócios (dia em que o sol está exatamente sobre a linha do equador). Enquanto o solstício de verão é o dia mais longo do ano e o de inverno é o dia mais curto do ano, nos equinócios (como o próprio nome indica), há equivalência entre dia e noite. Ou seja, apesar de o sol sempre nascer no leste e se por no oeste, há variações de posições, já que nem sempre está exatamente sobre a linha central que se convencionou a chamar de equador. E sem mais explicações, antes que eu me confunda ainda mais. 
Parece que os franceses apenas utilizaram as relevantes informações adquiridas pelo povo local e, a partir daí, se dirigiram às montanhas andinas para traçarem os trópicos e meridianos terrestres.
Quando nos livramos do guia, minha cabeça fervilhava com tanta informação. Resolvemos entrar no museu etnográgico, mais para ter uma visão da parte alta da torre do que para conhecer o museu propriamente dito, ônus este do qual pretendíamos nos livrar.
No entanto, logo após entrarmos, tivemos a desagradável surpresa de que o elevador, que levava até o topo da torre, seria apenas para subir, pois deveríamos descer os seis andares de escada, durante a ‘visita’ ao museu.
Após tirarmos várias fotos com os bonequinhos representantes das origens etnográficas dos equatorianos, dentre os quais muitos se assemelham com nossos indiozinhos, fomos direto almoçar em um restaurante de comida típica, até porque não tinha outra opção...
Comemos uma empanada de banana verde com queijo de entradinha, complementada com uma esdrúxula, embora saborosa, sopa de batata com abacate. Como prato principal, resolvi pegar leve com uma trutinha, enquanto a Flá pediu mesmo um ‘churrasco’ que nada mais era que um bife grelhado...
Saímos sonolentas em direção a nossa van. Como o tempo não estava lá essas coisas, mas, ao contrário, havia uma nuvem pesada indicando que vinha água em abundância, o guia nos orientou a não irmos no famoso teleférico da cidade, que nos leva a uma altura superior a quatro mil metros... Vamos deixar para a próxima vez, ocasião em que também pretenderemos visitar a avenida dos vulcões...
A chuva é sempre um ótimo convite para permanecermos no hotel, principalmente quando não há absolutamente nada de interessante para fazer na cidade que não seja a céu aberto.
No entanto, meu estoque de sono, por incrível que possa parecer, já tinha acabado, então a única coisa que me restou a fazer foi baixar as fotos para o computador e escrever sobre o pouco que já conhecemos por aqui. Aproveitei, também, para dar uma fuxicada no facebook, mas o pessoal no Rio de Janeiro deve estar fazendo algo mais interessante que entrar na internet, exceto minha querida amiga Dani, que aceitou cordialmente fazer meu plantão de carnaval.
À noite, quando eu já acreditava ter exaurido todos os argumentos para convencer a Flávia a ir ao Centro Histórico, ela resolveu ceder. Por sorte, durante a minha última tentativa, São Pedro colaborou e fez com que a chuva desse um tempinho (apenas o suficiente para tomarmos um banho, nos vestirmos e pegarmos um táxi, pois, logo depois, a chuva foi devidamente restabelecida).
Para tirar foto do centro histórico à noite, cuja beleza é ressaltada pela fantástica iluminação, tivemos que pegar emprestado o paráguas do nosso taxista. Em seguida, ele nos deixou na tal rua mais movimentada de Quito, a Calle de la Ronda, onde, logo na entrada, fomos abordadas por uma ambulante nos oferecendo ‘carioquinha para el carnaval’! 
E, pasmem: o tal ‘carioquinha’ é aquele insuportável spray de espuma com o qual alguns dos nossos conterrâneos que esqueceram de crescer se divertem enchendo outros foliões de espuma. Só que a grande diferença é que eles parecem ter sido dominados por uma espécie de transtorno obsessivo compulsivo coletivo, em que infernizar a vida dos demais jogando spray no rosto passa a ser uma condição ‘sine qua non’ para que se divirtam no carnaval. E ai de quem reclamar! Acaba sendo banido do local como um criminoso! A polícia armada, além de ser igualmente vítima deste transtorno coletivo, parece que são meros espantalhos que não se exaltam sequer quando eu lhes direciono palavras pouco amáveis, em razão da incompreensível apatia diante da fúria coletiva dos foliões.
Tentamos, infrutiferamente, chegar em algum restaurante sem sermos alvo desta verdadeira luta armada. No entanto, quanto mais me irritava com a forma indiscriminada de escolha das vítimas, mais eu tomava espuma no rosto. A irritação chegou a tal ponto que não consegui me conter ao ser agredida novamente por aquela espuma no rosto e acabei acertando um sopapo em uma criancinha de não mais que cinco aninhos! Quando consegui novamente enxergar, já que a espuma havia me obliterado a visão, além da razão, vi a merda que tinha feito! Mas eu não podia, de forma alguma, admitir, e resolvi dar um esporro na mãe que não sabe dar educação a seu filho. Por sorte, o pai foi bastante pacífico e não tentou revidar a agressão. De qualquer forma, eu já estava preparada para o  pior...
Depois deste susto, achamos mais prudente nos distanciarmos desta Faixa de Gaza Equatoriana e entramos em um refúgio para experimentar o tal ‘canelazo’, bebida típica da região, feita de licor de cana, cravo, canela e uma fruta ácida conhecida local, que parece algum derivado de laranja.
Após este ‘pit stop’ resolvemos pegar logo um táxi, pois constatamos que aqueles fanáticos não admitiriam a presença de alguém que não tolerasse toda aquela palhaçada de ficar tomando banho de espuma no meio da rua, a uma temperatura inferior a 15 graus!
O que mais me deixou estressada nessa história foi o nome que resolveram dar ao armamento coletivo: carioquinha, como se tivéssemos sido nós que inventamos isso (espero que não!). Além da chuva de espuma, e um monte de gente com atitudes e feições típicas de insanos mentais, não tinha mais absolutamente nada de diferente que pudesse autorizar alguém a qualificar aquilo como carnaval, nem uma musiquinha sequer! Talvez a fúria assassina decorra de uma espécie de inveja freudiana do carnaval do nosso carnaval...


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